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domingo, 2 de dezembro de 2012

O QUINTAL

                                                                           

Quando recebeu de herança da mãe a casa velha fechada há anos, não sabia que havia um sujeito elíptico, um eu que se ocultava entre as arvores do quintal sombreado, protegido ali das dores do mundo. Ao abrir lentamente a porta, os ferrolhos carcomidos pelas ferrugens soaram um ranger de lamento, era o tempo!

A casa se apresentara à sua frente, mostrando os cômodos à medida que abriam-se as janelas ao sol morno das primeiras horas do dia. Janaína, lembrando esse dia, diz ter ouvido gritinhos de prazer.  "Bem provável, quantas almas ali aprisionadas devem ter experimentado, depois de anos, a luz e o calor"!

Respeitosamente, como quem pede autorização, adentrou ao espaço mágico, voltou ao templo da felicidade - o quintal - parecia intocável, reconhecia cada arvore e elas ao vê-la, deixavam escapar pelas folhas um forte aroma de satisfação. O reencontro, o êxtase.

Uma goiabeira abaixou seus galhos num formato de braços, onde ela se aconchegou, só saindo quando sentiu em suas pernas, coceirinhas. Eram as saúvas,  não mais aquelas,  outras que ao nascerem ouviram estórias do tempo em que havia ali no reino uma humana especial. Todas elas subiam e desciam as pernas como se ali fosse, também, terra.

Seus dias passavam-se todos ali, lembrava das horas de estudo debaixo da cajazeira, amiga e vizinha da jambeira , mas nunca estudava lá, as frutas e as flores caídas lambuzavam tudo de roxo!

Os outonos mágicos em que dia sim dia não, varia as folhas e se entretecia com os formatos de uma e de outra querendo nisso descifrar mensagens  ocultas da natureza, recados dos amigos duendes, elementares queridos que assim como ela guardavam aquele recanto.

Lembrava do dia em que surpresa vira ali no pequeno jardim sua irmã mais velha , filha só de seu pai, mas que a mãe de coração terno a acolhera como filha, ajoelhada como se estivesse rezando, visita essa que se repetiria diariamente por anos, até que com o casamento passara a ir de ano em ano em um dos nossos tantos feriados.

Nesse mesmo período passou a ver perambulando pelo quintal um menino de uns 11 a 12 anos que se escondia por trás das arvores observando-a. O mais estranho é que nunca se assustara com tal aparição, sabia intuitivamente que era um ser espiritual, "um fantasma"e  que de maneira alguma a faria mal. Aos poucos ele foi se achegando, lembra bem desse dia. "Estava brincando com meus amigos "imaginários" quando ele se encorpora ao grupo e aos poucos, no meio da brincadeira, vamos  passando informações tornando-nos assim parceiros".

Ninguém nem nada que compunha aquele cenário se ressentia dessa parceria, nem as arvores, nem as flores, nem os insetos, nem as pedras. Todos na verdade se  alegraram com mais uma presença "humana"  para participar dos jogos e das brincadeiras.

- Tempos depois, já adulta, é que fiquei sabendo que o menino na verdade poderia ter sido meu sobrinho, então compreendi a presença de Laura no jardim!